Bem no comecinho da faculdade, eu, então com 17 aninhos de idade, ouvi do professor Serpa algo mais ou menos assim: “ – Nós, jurisconsultos, não podemos perder a elegância, porque não podemos nos dar ao luxo da ignorância”. O programa de concessão de rodovias do Estado do Rio Grande do Sul, confesso, tem desafiado essa lição.
É que o modelo que está sendo levado a cabo pelo governo gaúcho não atinge apenas o bolso que, como se brinca, é a parte do corpo que mais dói. No fundo, de modo mais visceral, o modelo em trâmite violenta um valor inestimável a todos nós, nosso senso de justiça.
O governo comemora o recente resultado do leilão do bloco 3, com irrisório deságio de 1,3% do pedágio previsto no edital, e assim sinaliza que logo logo o bloco 2, o nosso bloco, assim será publicado e leiloado, afetando os próximos 30 anos de Encantado e da Região Alta do Vale do Taquari.
Ao que tudo indica: a praça de pedágio ficará em Palmas, dividindo Encantado e seu povo por mais 30 anos e onerando o setor produtivo da Região Alta na sua ligação com a BR 386, com tarifa inicial perto de dez reais, sem isenção, sem passagem múltipla, sem rota alternativa, favorecendo Arroio do Meio, Lajeado, Teutônia e Estrela com maiores investimentos e sem contribuição (apenas para citar os mais favorecidos).
Desde o lançamento do programa de concessões das rodovias gaúchas, a ACI-E encarou como uma oportunidade e tem atuado em várias frentes, objetivando o aprimoramento do projeto técnico (investimentos) e a justiça tarifária (menor tarifa distribuída de modo equilibrado pelo Vale do Taquari).
Referente ao projeto, tendo por base um estudo profissional contratado pela associação, foram conquistados em torno de R$ 20 milhões de novos investimentos ao município de Encantado. Uma grande conquista, sem dúvida.
Entretanto, o governo estadual não fez nenhum movimento em favor da menor tarifa e da distribuição equilibrada dos investimentos (em suma, não revisou a localização das praças de pedágio até a implementação do free flow, priorizou altos investimentos em trechos não pedagiados e manteve ônus contratuais contra o deságio da tarifa).
A ACI-E sempre defendeu e demonstrou que a praça de pedágio que injustamente divide Encantado e seu povo há décadas não tem capacidade contributiva para suportar os investimentos rodoviários necessários.
O posicionamento da entidade encontrou eco regional, primeiro na Região Alta, mais recentemente de modo mais amplo pelo Vale do Taquari, que está se dando conta da precariedade do projeto técnico (investimentos insuficientes) e dos ônus envolvidos (altíssimos custos).
Sobre os custos da concessão em andamento, segundo dados da Fetransul, da totalidade da arrecadação prevista, 23% será investido. Isso mesmo, somente 23% será investido. O mesmo percentual – 23% – será o custo financeiro (sim pagaremos os juros), 20% será o custo operacional (sim é caríssimo o arcaico sistema de praças), 17% será o custo fiscal (sim pagaremos os tributos) e 17% será o resultado da concessionária (parte da riqueza da região irá diretamente para os acionistas). Estamos falando de bilhões de reais incidentes sobre a circulação rodoviária da nossa riqueza, sem que o Estado, por mais 30 anos, invista um centavo sequer nas principais rodovias estaduais da nossa região.
Mas o governo estadual festeja o resultado do leilão do bloco 3. Sofre pressões, mas não dá sinais de recuo. Um dos argumentos do próprio governo é preocupante, a saber, o refazimento do projeto exigiria a revisão e o aumento da tarifa. Ou seja, o governo confessa: a tarifa é elevadíssima e já está defasada, o que importará, logo adiante, em reequilíbrio econômico financeiro (leia-se, aumento da tarifa ou não realização das obras previstas – já conhecemos isso nos mais de vinte anos pedagiados).
Atentemos: a publicação do edital do bloco 2 é iminente, apesar de inoportuna e muito prejudicial ao desenvolvimento de Encantado e da Região Alta do Vale do Taquari. Executivos, Legislativos, demais entidades da sociedade civil e empresarial organizada, população em geral: precisamos nos mobilizar contra a publicação do edital, enquanto ainda nos resta elegância para aprimorar o projeto de concessão rodoviária para um modelo justo e de desenvolvimento do Vale do Taquari como um todo.
Álex S. Herold
presidente da ACI-E